Introdução
No mundo do desenvolvimento de software, é comum nos depararmos com sistemas que, à primeira vista, parecem um labirinto indecifrável. A sensação de esgotamento mental ao tentar adicionar uma nova funcionalidade ou corrigir um bug tem um nome: alta carga cognitiva. Muitas equipes, na busca por seguir dogmas arquiteturais, acabam construindo catedrais de abstração que, na prática, mais atrapalham do que ajudam. A verdadeira marca da engenharia de software madura não é a capacidade de criar sistemas intrincados, mas sim a habilidade de projetar soluções elegantes e simples para desafios complexos. Gerenciar a carga cognitiva através de um design intencional é uma necessidade estratégica para a sustentabilidade de qualquer projeto.
Desvendando a Complexidade vs. a Dificuldade
Para avançar, é crucial distinguir dois conceitos: complexidade e dificuldade. A complexidade de um sistema está relacionada ao número de componentes e suas interconexões; é um reflexo do domínio do negócio. A dificuldade, por outro lado, refere-se à carga cognitiva — o esforço mental necessário para compreender e modificar esse sistema. Um sistema pode ser complexo, mas não precisa ser difícil. Nosso objetivo como engenheiros não é eliminar a complexidade, mas sim reduzir a dificuldade. Isso começa questionando cada camada, cada interface e cada padrão que adicionamos: ele está realmente simplificando o problema ou apenas adicionando ruído?
Estratégias de Design para um Código Compreensível
Arquiteturas em camadas, quando aplicadas sem critério, podem se tornar um dos maiores contribuintes para a alta carga cognitiva. A necessidade de navegar por múltiplos projetos — controller, serviço, aplicação, domínio, infraestrutura — apenas para rastrear uma única lógica de negócio é ineficiente e frustrante. Uma abordagem mais pragmática é organizar o código em torno das funcionalidades de negócio, uma técnica conhecida como “Vertical Slice Architecture”. Em vez de agrupar por tipo técnico (todos os controllers juntos), agrupamos por feature (tudo relacionado ao “cancelamento de inscrição” em um só lugar). Isso co-localiza o código que muda junto, tornando o sistema imensamente mais fácil de navegar e entender.
Essa filosofia se estende às abstrações. Interfaces que possuem apenas uma única implementação no projeto inteiro servem mais como um obstáculo do que como um ponto de extensibilidade. Elas forçam o desenvolvedor a saltar entre arquivos para entender o fluxo, aumentando a carga mental sem oferecer um benefício real. O mesmo vale para camadas de serviço que atuam como meros proxies, simplesmente recebendo uma chamada e a repassando para a próxima camada sem adicionar lógica de negócio. Cada elemento arquitetural deve justificar sua existência. Se uma camada ou interface não agrega valor claro, ela deve ser eliminada em nome da simplicidade e da clareza.
O Impacto no Time e no Negócio
Ignorar a carga cognitiva tem custos reais. Sistemas difíceis de entender levam a um onboarding mais lento, a um aumento na incidência de bugs e a uma queda na velocidade de entrega. Por outro lado, uma arquitetura projetada para ser compreensível se torna um ativo estratégico. Com uma abordagem de Slices Verticais, um novo desenvolvedor pode entender uma funcionalidade completa olhando para uma única pasta. Ao eliminar abstrações desnecessárias, o código se torna mais direto e legível. O resultado é uma equipe que responde com mais agilidade às mudanças do mercado, entrega novas funcionalidades com mais confiança e reduz drasticamente o custo de manutenção ao longo do tempo.
Conclusão
A construção de software duradouro reside fundamentalmente na criação de sistemas que os seres humanos possam entender e manter. Priorizar a redução da carga cognitiva é um ato de empatia para com nossos futuros “eus” e colegas. Ao investirmos em um design pragmático, organizando o código por funcionalidade e questionando cada abstração, não estamos apenas construindo um software melhor. Estamos construindo equipes mais fortes e produtivas, capazes de enfrentar os desafios complexos do negócio de forma sustentável e eficiente.
Insights & Takeaways
- Complexidade é diferente de Dificuldade: O objetivo não é eliminar a complexidade do negócio, mas reduzir a dificuldade de compreensão do código que a implementa.
- Organize por Feature, Não por Camada: Agrupar o código em “Slices Verticais” por funcionalidade co-localiza a lógica relevante, diminuindo drasticamente a carga cognitiva para entender e modificar o sistema.
- Abstrações Têm um Custo: Cada interface ou camada adiciona um peso cognitivo. Elas devem ser usadas com propósito, não por dogma, e eliminadas se não agregarem valor claro.
- Simplicidade é uma Decisão de Design: Um código simples e direto não acontece por acaso. É o resultado de escolhas intencionais para remover o ruído e focar no que é essencial para o negócio.
- Baixa Carga Cognitiva é um Acelerador de Negócios: Equipes que conseguem entender rapidamente o código são mais rápidas para entregar valor, corrigir problemas e inovar.