Programas de computador não são criativos, humanos são! Essa é a forma vigente de enxergar tecnologia no cotidiano das pessoas e na transformação de negócios. Entretanto, há bons motivos para que comecemos a pensar de maneira diferente.
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Desde 1997, humanos não são capazes de derrotar computadores no jogo de xadrez.
A forma como engines – programas de computador que jogam xadrez -, são desenvolvidas, tradicionalmente, busca “simular” o jeito humano. A intuição, nas máquinas, foi originalmente substituída por heurísticas – grosseiramente, uma forma mecânica de fazer palpites – e pelo acesso a gigantescas bases de dados que compilam tudo que sabemos sobre o jogo, incluindo todas as partidas registradas dos melhores humanos, em todos os tempos.
O poder brutal, crescente de maneira exponencial, da capacidade de processamento e armazenamento dos computadores modernos tornaram computadores imbatíveis. Assim, de adversários, eles passaram a servir como “recursos de treinamento” para humanos.
Modernamente, o projeto Stockfish é, talvez, o melhor engine de xadrez já desenvolvido da maneira tradicional. O sistema “simula” tão bem o comportamento humano que, de muitas formas, podemos assumir que “humano mais forte”, pelo menos jogando xadrez, é um computador!
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Nos últimos anos, entretanto, começou a ganhar destaque outra abordagem para fazer computadores jogarem xadrez. No lugar de contar com imensas bases de dados e heurísticas avançadas, em um movimento iniciado por um laboratório de IA da Google, optou-se por desenvolver uma inteligência artificial que soubesse apenas as regras básicas jogo com a finalidade de testar as capacidades de algumas tecnologias experimentais. A ideia é que essa inteligência artificial aprendesse, a partir da prática e não da “simulação humana”, jogando, sozinha, milhões de partidas, o que funciona e o que não funciona no tabuleiro. A cada partida jogada, a cada erro de avaliação, a cada partida vencida e a cada acerto, a inteligência artificial aprenderia mais sobre o jogo.
Nesse cenário, além da capacidade de processamento e armazenamento, o crescimento exponencial da conectividade passou a fazer diferença. Milhares de “instâncias” da inteligência artificial. em milhares de dispositivos, aprendendo de forma contínua e incansável.
O projeto AlphaZero, da Google, e o projeto Leela são dois bons exemplos de inteligências artificiais desenvolvidas nos termos que descrevemos aqui.
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Atualmente, o projeto Leela tem força relativa equivalente ao Stockfish. Enquanto isso, o AlphaZero parece “esmagar”, por muito, seu adversário mais convencional (embora existam contestações sobre o formato em que as disputas entre eles ocorreram).
O mais intrigante, de qualquer forma, é que, enquanto o Stockfish jogue em estilo compreensível e similar ao que os melhores jogadores humanos, Leela e AlphaZero são extremamente originais, com lances extremamente difíceis de entender. O computador não é mais “o humano mais forte”, mas, sim a expressão de algo absolutamente novo, incompreensível e ainda mais imbatível.
Primeiro, os computadores se tornaram melhores do que nós, humanos, jogando, do nosso modo, de maneira mais precisa. Agora, computadores são melhores do que nós, jogando, do modo deles.
De muitas formas, as heurísticas imitando o pensamento humano e a base de conhecimento sobre o que sabemos sobre o jogo limitavam a capacidade dos computadores de jogar melhor. Leela e AlphaZero jogam de maneira original e, por que não dizer, criativa.
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Acreditamos que se uma tarefa pode ser automatizada ela será. Isso é apenas questão de tempo! Recentemente, o projeto Debater, da IBM, assombrou o mundo com uma inteligência artificial capaz de enfrentar humanos em concursos de retórica.
O fato é que o uso de tecnologias está extrapolando, há tempos, a visão de fazer mais, mais rápido, mais barato. Estamos chegando a um nível de sofisticação onde as máquinas conseguem, sob muitas perspectivas, serem criativas. Mais do que automação, precisão e escala, estamos no limiar da “criatividade cibernética”.
No mundo dos negócios, já é consciência para muitas empresas que tecnologia é competência fundamental. Entretanto, é preciso ir além. A discussão sobre tecnologia precisa ter lugar na alta gestão, sobretudo conselhos e presidências. O disruptivo, que até outro dia era exceção, está se convertendo em regra.
O que acontece quando as inteligências artificiais fizerem mais do que jogar xadrez? O que acontece com seu negócio?